Sinopse
Catarinas de Baleizão é uma peça que aborda a trajectória existencial de dois casais alentejanos, desde a sua adolescência até à maturidade da vida adulta, que vivem em épocas diferentes: um durante os anos 30 e 40 do século passado, e o outro do início dos anos noventa até à actualidade. Tendo como referência alguns dos factos e acontecimentos reais que marcaram a situação social, económica e política no Alentejona primeira metade do século XX e o percurso de vida de Catarina Eufémia e seu companheiro, António do Carmo (Carmona), um dos objectivos deste trabalho é contrastar, misturando a ficção e a realidade histórica, os universos mentais, éticos, cívicos, relacionais, de dois casais alentejanos de Baleizão em duas épocas distintas, dando conta, quer dos dilemas e conflitos interiores das personagens, quer das circunstâncias da vida rural, familiar, social, económica e política próprias de cada uma das épocas consideradas. Pretende-se também com este trabalho apresentar o heroísmo como um fôlego de dignidade e determinação, mas que não é imune a fraquezas e hesitações.
A peça é interpretada por dois actores que se vão desdobrando, ao longo das cenas, nas quatro personagens.
Texto de Apresentação
Quando a Lendias d'Encantar, na pessoa do meu irmão, António Marques Revez, me desafiou a escrever uma peça a partir do tema Catarina Eufémia, eu não hesitei. Quero dizer, hesitei, mas não lhes mostrei hesitação. O tema quase tanto de fascinante como de inquietante, e a confusão e ambiguidade entre o plano da realidade e o plano da ficção e do mito é uma constante em tudo o que possamos encontrar sobre Catarina Eufémia (testemunhos, documentos oficiais, relatos clínicos, notícias de jornal, propaganda partidária, poesia militante, etc). E há coisas que verdadeiramente ninguém nunca saberá, que foram enterradas com a vítima e com os seus algozes. Subsiste um embrulhada difícil de deslindar e quase sempre próxima de apropriações e questiúnculas ideológico-partidárias que são, diga-se, pouco interessantes e as que menos interessam para o caso.
Sabendo destes constragimentos, mesmo assim, aceitei. Neste país náufrago da memória colectiva ou que nela vê apenas uma oportunidade de manipulação ou retórica política, é necessário não somente "reconstituir" e "recriar" (histórica e literariamente) o passado recente como fazê-lo sem as amarras do engajamento político e sem a leviandade do enviesamento revisionista. Talvez por isso mesmo, porque eu não estaria habilitado para tanta "objectividade" histórica a solução acordada com os Lendias e com o encenador Júlio César Ramirez foi a de ensaiar um texto "híbrido", ou seja, entrelaçando a realidade dos factos e invenção imaginativa. Para tal, consultei vários documentos (artigos, entrevistas, relatos, reportagens) e entrevistei por diversas ocasiões António do Carmo (Carmona), o viúvo de Catarina Eufémia. O contacto com versões contraditórias e inconciliáveis dos acontecimentos foi dando razão à nossa escolha, que cada vez se pretendia mais focalizada na dimensão existencial e afectiva da vida da camponesa e do seu companheiro e na envolvente social, e menos no retrato político de uma época.
Resolvido este, permanecia ainda outro problema: cingirmo-nos à realidade da vida rural alentejana nos anos 30 a 50 do século XX, de que a história de vida de Catarina Eufémia fora um justo exemplo, ou prolongar o enfoque até aos nossos dias e imaginar uma Catarina de Baleizão contemporânea, heroína à sua maneira, frágil e forte como uma mulher qualquer, sempre também heroína à sua maneira. Decidimo-nos pela segund alternativa e assim jogar no constraste entre duas gerações de baleizoeiros, o mesmo é dizer, de alentejanos rurais, com linguagens, preocupações, conflitos e aspirações que trazem a marca de cada tempo e as dúvidas e incertezas de todo o tempo.
Celebrar a história e o presente, trazendo ao texto pessoas reias e problemas reais, é sempre uma boa pedagogia para o futuro, mais que não seja para se temer o regresso ao passado e a permanência de certo presente.
Catarinas de Baleizão quis chegar ao enquadramento social sem perder de vista o "interior" de personagens de "carne e osso", para que no fim, mais uma vez, o teatro nada fique a dever à vida e a vida se reveja no teatro.
António Manuel Revez
Portel, 10 de Maio 2005
Ficha Técnica
Texto António Manuel Revez
Encenação Júlio César Ramirez
Dramaturgia Júlio César Ramirez
Interpretação António Revez e Ana Ademar
Banda Sonora Paulo Ribeiro
Uma Produção Lendias d'Encantar, 2005
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